domingo, 7 de dezembro de 2008

Agorafobia

Ela me perguntou as horas. "17h35" Dava pra sentir o nervosismo naquela pergunta, mas mais ainda no olhar, ao ouvir minha resposta. De alguma forma, a minha calma também pareceu incomodá-la, mas acho que foi só impressão. Sempre difícil ter certeza do que se passa naquela cabecinha. Uma coisa dava pra notar. Mal havíamos chegado e a menina já suava frio.

- Esse tá muito cheio, vamos agora não.

Pensei em perguntar se ela tinha certeza, tentar avisar que o próximo podia estar pior, mas nem adiantaria, mesmo. Fui me preparando, tirando a mochila pesada das costas e ajeitando melhor o paletó, já surrado do dia de trabalho, idas e vindas nas conduções da vida. Ela ali, me olhando como se pedisse que eu compartilhasse daquela agonia silenciosa, enquanto eu ajustava o prendedor da gravata. "Pronta?"

Tão cheio quanto, mas agora não pretendia esperar mais. Tomei-lhe a mão delicada e fui abrindo caminho até onde pudéssemos ficar em relativa paz, eu por fim abraçando-a com firmeza e deixando meus braços se tornarem os horizontes dela. Um perímetro para aquele pequeno corpo pelo menos respirar, apesar do encaixe justo.

- É sempre assim?

A pergunta vinha com todo aquele tom de inocência perdida, como se ela quisesse algum conforto. Se irritou quando me viu rindo e olhando-a nos olhos, apesar daqueles imensos óculos escuros emprestados de algum acervo de cenografia televisiva. Fiz que sim com a cabeça e comentei: "Piora daqui a pouco... mas depois fica até gostoso." Uma nova risada e aquela cara de criança birrenta em resposta, enquanto meu braço que a envolvia tentava abrir-se mais e deixá-la confortável. "Você deveria relaxar."

- Relaxar, Marcelo? Sabe como isso tá apertado? Eu tô ficando sem ar, já. Vou desmaiar, daqui a pouco, e você aí rindo! Não fosse você, eu já teria tido um troço, tá?

Respirei fundo, tentando me conter, mas acabei rindo ainda mais. Pra disfarçar, dei uma apertada no abraço, nada forte, ou ela podia cumprir com a ameaça do tal piripaque. Minha outra mão já dormente com o peso, mas eu apenas sorrindo, para apoiá-la em meio àquela dança de idas e vindas. Podia sentir a menina respirando cada vez mais descompassado, tudo era nervosismo, na expressão, os óculos só lhe davam um aspecto mais pitoresco. "Relaxa, vai."

Nem sei por que eu ainda tentava melhorar a situação, mas ela não parecia disposta a qualquer nova reação exceto o bufar, o respirar fundo e algum eventual grunhido. Dava pra perceber que não apenas via aquilo como um momento selvagem, mas fazia questão de incorporar essa noção à face. Tudo começava a apertar-se mais e o meu abraço a envolvia como em um gesto de proteção, aparentemente inútil. O balançar dos corpos não ajudando muito. Novos apertos. Ela já cravando as unhas no meu ombro.

- Não dá... não dá mais.

A agonia à voz era visível... tentava me mostrar que falava sério, como se eu pudesse fazer algo a respeito. "O que sugere, parar aqui, assim?" Ela me olhou com uma expressão de fúria e manha, ao mesmo tempo, algo tão bizarro que mais uma vez eu ri. Então veio a sensação. Algo se aproximava e os dois ficaram tensos, ela percebendo o momento, em meus olhos. O abraço firme, agora, eu apertava aquele corpo pequeno contra o meu e os dois praticamente prendíamos a respiração, quando veio o prenúncio, chiado.

"Próxima estação: Estácio. Estação de conexão para a Linha 2. Desembarque pelo lado direito. Next stop: Estácio station."

Eu a segurava, a outra mão dormente com o peso da mochila, os dois apertando-se contra um corrimão do metrô, para que a enxurrada de gente que saía do vagão não nos arrastasse até o trem errado. Ali, um grito quase de clímax:

- EU QUERO O MEU CARRO DE VOLTA, MARCELO!

she_by_cuson
she, de ~cuson, no deviantART.

5 comentários:

Lais disse...

Ô sufoco!!!
Nunc cheguei a pegar um desses lotados!
Ufa!!!

;)

bete disse...

rsssss
olha, não vivo seu meu carro aqui em Brasília! prontofalei!
mas até os vinte andei muito de busu e a pé. entendo o desespero da garota e vc como sempre um gentleman e ainda por cima bem humorado...
bjs

Anônimo disse...

Mas não existe nada como curar a agorafobia como um bom metrô paulistano na hora do rush... ah... delícia! Sentir o calor humano, o perfume da humanidade, o toque que nos leva muitos pesos da alma (inclusive a carteira). Em dia de chuva, entao! Poxa! É o que há de melhor! A chuva lava o stress... e molha o sapato, a sua calça, e o guarda-chuva molhado do cara em pé pingando no seu colo...
Agorafobia? Frescura! :))))

Anônimo disse...

LAIS:
Eu ando até bem acostumado com condução e transporte público. E viva o MP3 Player e aqueles livros q vc compra e nunca lê.

IARA:
Eu sempre faço a minha parte, caríssima. Mas precisava ver quando finalmente siu... ela andava tão apressada q parecia q estava fugindo do metrô. E acho q estava mesmo.

MAMA:
Concordo 100%, mamys. Mó frescura!

Poisongirl disse...

kkkkkkkkkk Amei !

Adoro a linha 2 do metrô , prontofalei.

Adoro aqueles apertos , a intimidade instântanea ...tanta coisa boa pode brotar daí.